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24 de março de 2015

Ucrânia: a Rússia de Putin é o agressor 

Por Ana Gomes

Na ultima semana voltei à Ucrânia numa delegação do Parlamento Europeu.
Regressei convencida de que é preciso apoiar a Ucrânia com mais empenho e coerência. Recordo que a UE não negociou em Minsk o acordo de cessar-fogo, negociação que ocorreu no chamado "formato Normandia", ou seja entre Alemanha, França, Russia e Ucrânia... Enfim, se para sair da crise interna a UE tem demorado tanto e com tantos erros e hesitações, não espanta que não esteja a conseguir ajudar a resolver problemas na sua vizinhança: e por isso vivemos hoje o mais perigoso período desde a II Guerra Mundial, com um arco de conflitos a rodear a Europa e terrorismo à solta, dentro e fora de portas.
A leste, claramente, a Rússia de Putin é o agressor e a Ucrânia é a vítima. 
Putin viola o direito internacional ao anexar a península da Crimeia deixando em estilhaços o tratado que garantia a fronteira em troca da desnuclearização da Ucrânia. Putin está a violar os direitos humanos dos tártaros da Crimeia e de todos os ucranianos que querem viver em democracia sem a corrupção como sistema, como é típico do poder oligárquico que mantinha Yanukovitch em Kiev e mantém Putin em Moscovo. Putin instrumentaliza locais para figurarem como rebeldes na região do Donbass e dar cobertura à infiltração de milhares de soldados e tanques russos que semeiam destruição - como o abate do avião da AirMalásia, mais de 5000 civis mortos, muitos mais feridos de guerra e dois milhões de ucranianos refugiados e deslocados internos. Putin orquestra propaganda mentirosa, tentando reduzir o povo ucraniano a uma cambada de fascistas: ele, Putin, é que é o reaccionário que subsidia fascistas, como os lepenistas em França.
Há um ano, quando Yanukovitch fugiu da revolução Euromaidan, só nominalmente a Ucrânia tinha polícia, forças armadas e governo. Só depois das eleições de Maio de 2014 é que começou a reorganizar as Forças Armadas, como pôde - hoje está a ir buscar tanques aos museus para os remodelar e responder ao poder das máquinas de guerra de Putin. E face às diárias violações do cessar-fogo, não admira que os ucranianos se sintam descoroçoados por europeus e americanos resistirem a armar e dar formação aos seus combatentes.
Há muita gente a desaconselhar o fornecimento de armas à Ucrânia por determinar uma escalada na guerra, avisando que não se deve provocar a Russia, potência nuclear.  Mas por isso mesmo a Rússia tem de ser travada: porque é a Russia que está a agredir a Ucrânia, provoca países europeus - incluindo Portugal - com perigosos voos militares não identificados e não se coíbe mesmo de fazer ameaças de ataque nuclear, como ainda há dois dias fez à Dinamarca. Não podemos resignarmo-nos a regredir ao equilíbrio pelo terror da Guerra Fria, nem dar sinal a Putin de que pode subjugar a Ucrânia, ou até avançar sobre os Bálticos, para restabelecer a hegemonia da defunta União Soviética...
A Ucrânia tem todo o direito de se defender da agressão e de procurar meios para se defender. A UE não tem armamento para fornecer, mas alguns dos seus Estados membros têm. Não podem, não devem, é fornecer a Russia agressora - o Presidente Hollande já compreendeu, certamente, que vender aviões Mistrale a Moscovo era indefensável.
Mas é preciso notar que nunca vai ser militarmente que a Ucrânia - apesar de ser o país com maior território na Europa, sete vezes maior do que o de Portugal, e dos seus 45 milhões de habitantes - vai deter a potência nuclear que é a Russia. É por outros meios, os da política, combinados com as sanções europeias, que a Ucrânia se pode libertar da mão de ferro de Moscovo. É demonstrando aos próprios russos, que apesar da guerra que Putin lhe move, há vida e melhor vida do que a submetida à corrupção das oligarquias. Mostrando que a Ucrânia que se mobilizou durante meses contra a ditadura e o gelo na EuroMaidan vai fazer a reforma da administração, dos partidos políticos, do sistema de justiça, o combate a corrupção e ao poder oligarquico, etc... e progredir política e economicamente, apesar do esforço de guerra.
Uma coisa é certa: a agressão russa está a reforçar a construção da nação ucrâniana: vi-o em Dnieprpetrovsk, região onde todos falam russo como língua materna, mas praticamente ninguém quer hoje ser russo. Porém, o grande desafio é construir o Estado na Ucrânia: por isso a principal ajuda que a UE pode prestar ao povo ucrâniano é apoio e incentivo para avançar nas necessárias reformas. 
Em Kiev assisti ao lançamento oficial da Missão de Aconselhamento da UE à Ucrânia - uma missão civil no quadro da Política Comum de Segurança e Defesa, para a qual Portugal pode e deve mandar magistrados, policias, militares na reforma, funcionários da administração, etc. para  ajudar a formar quadros ucranianos e a avançar essas reformas, incluindo a constitucional.
Não se trata apenas de ajudar a Ucrânia face à agressão russa. Nem sequer das relações da UE com Moscovo. Está em causa a própria UE - se defende a democracia e os seus cidadãos. No fundo, se se defende.

(Notas para a minha crónica desta manhã no Conselho Superior, na ANTENA 1)

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