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17 de março de 2015

Quem fez e quem está na Bolsa VIP do Governo? 

Por Ana Gomes 

"Já que o Presidente Cavaco Silva visitou a OCDE, organização que tem estudado o impacto devastador da fraude e da evasão fiscal e trabalhado na regulação contra os paraísos fiscais, bom era que tivesse discutido o que Portugal deve fazer para combater a injustiça fiscal que determinam, arrasando a nossa economia e os recursos do Estado.
Mais um exemplo da injustiça fiscal que campeia está na chamada Bolsa VIP. 
Foi a 20 de Janeiro que Vitor Lourenço, chefe de divisão de auditoria da Autoridade Tributária, avisou cerca de 300 funcionários, em formação sobre os procedimentos do sistema, para um recém integrado alerta informático que permitia identificar o acesso a informação fiscal relativa a uma lista de políticos no activo, indivíduos da alta finança e grandes empresários. Uma vez acedidos os seus registos sem autorização do superior, o funcionário em causa seria chamado a justificá-lo e poderia ser punido.
Há duas semanas desafiei aqui, ao microfone do Conselho Superior, o Primeiro Ministro a prestar explicações públicas sobre esse círculo de VIPs beneficiando de especial protecção, que relacionei com informação contributiva em falta sobre o próprio Primeiro Ministro  - embora hoje já saibamos que além das dívidas entretanto pagas à Segurança Social, Pedro Passos Coelho  foi alvo de processos de contraordenação e de execução fiscal por incumprimento de 2002 a 2007, continuamos sem saber quem lhe pagou o quê para ter essas obrigações fiscais e contributivas: se a Tecnoforma, o CPPC ou outra entidade; se foram vencimentos, bónus ou reembolsos de despesas...
Chama-se-lhe Bolsa VIP - mas, de facto, estamos perante um saco de gatos e com muitos rabos de fora. Porque se num primeiro momento Governo e Autoridade Tributária vieram negar a existência da referida lista, reconduzindo tudo a normais procedimentos de defesa do sigilo fiscal, logo a seguir multiplicaram-se as confirmações por funcionários do fisco de que a lista existe, teria sido entregue à Autoridade Tributário pelo próprio Secretário e Estado para os Assuntos Fiscais, Paulo Núncio e por isso 140 trabalhadores se acham sob averiguações. 
Perante o crescendo do clamor público e a exigência de esclarecimento feita pelo líder do PS, António Costa, fomos ontem brindados com novo desmentido do Secretário de Estado - que não via necessidade de se investigar o que não existiria. Logo depois contraditado pela própria Ministra das Finanças, que ordenou investigação pela Inspecção Geral de Finanças.
É estranho que a Inspecção Geral de Finanças não tivesse tomado a iniciativa de agir mais cedo. E era preferível que a investigação fosse da competência de entidade externa ao Ministério das Finanças. Aguardemos, porém, pelos resultados. Pelo meu lado, não me interessa só saber se há ou não Bolsa VIP, mas quem a ordenou, quem a pôs em prática e quem são os suspeitos privilegiados que dela constam - designadamente se estão nela algumas das 200 pessoas que devem mais de 1 milhão de euros ao fisco e das 117 empresas que devem mais do que isso, segundo hoje noticia a imprensa.
Uma Bolsa VIP é uma aberração inconcebível num Estado de direito: põe em causa o princípio da igualdade, a justiça tributária e constitui crime de abuso de poder. Se há fugas de informação, pois que sejam investigadas - mas isso não justifica uma medida de restrição geral ou selectiva às contas de certos políticos e empresários. Uma tal Bolsa cria um clima atemorizador entre funcionários da AT, que os impede de conduzir investigações de forma imparcial e eficiente, sob pena de sofrerem represálias profissionais por efectuarem o seu trabalho. Afecta também, em particular, o cruzamento dos dados fiscais de gente poderosa com sinais exteriores de riqueza que o Fisco tem a obrigação de monitorizar. Acresce que, ao invés de terem o acesso à sua informação fiscal restringido, os detentores de cargos políticos devem estar preparados para um nível de escrutínio muito superior àquele que se exige aos cidadãos comuns.
 José Maria Pires, o sub-director geral da Autoridade Tributária identificado pelo Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos como responsável pelo refinamento do sistema informático que estará na base da detecção do acesso à chamada Bolsa VIP, tem de ser questionado. E, se se confirma a existência da Bolsa VIP, o Secretário de Estado  Paulo Núncio, nomeado pelo CDS-PP, não terá mais nenhuma saída senão a demissão do Governo. Pode preparar-se com a desautorização pela Ministra das Finanças...
Mas o problema não pode ficar por aí - se se confirma a exigência da bolsa VIP, é todo o exercício de funções por Paulo Núncio que estará em causa: caberá a exigir inspecção a tudo o que fez, e ao que não fez, na Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais este advogado,  vindo da Sociedade de Advogados Garrigues, especializado em  "planeamento fiscal"  - ou como, eufemisticamente, se designam a elisão e evasão fiscais.
As alegações de existência de uma Bolsa VIP são ainda mais escandalosas num país onde, de facto, há segregação entre indivíduos que são intocáveis e privilegiados e outros não. Os primeiros estão nas listas Lagarde e do Liechtenstein (as quais o governo continua a fingir que desconhecia) e beneficiam de amnistias fiscais, pagando uma taxa de 7.5% sobre fortunas acumuladas no exterior, sem que ninguém sequer lhes pergunte de que actividades provêm, e obtêm selo de impunidade garantido pelo Estado. E os outros - a classe média, os pensionistas e os mais pobres - que toleram um assalto sem precedentes aos seus rendimentos, e pagam por tudo, incluindo os que não pagam e fogem ao fisco. Para não falar dos que estão acima da lei: como aquela inspectora das Finanças que foi há dias identificada, numa reportagem da TVI sobre os Swissleaks, com uma conta de milhões no banco HSBC na Suíça e que o gabinete da Ministra das Finanças, sem cuidar de investigar, à partida declarou isenta de prestar contas, por ser matéria "do foro privado". 
O caso da Bolsa VIP é gravíssimo, implica a prática de crimes de abuso de poder e outros. Espero que a Assembleia da República e a PGR assumam as suas responsabilidades."

(Notas da a minha crónica de hoje no Conselho Superior, ANTENA 1)

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