<$BlogRSDUrl$>

1 de julho de 2014

O Conselho de Estado do estado a que chegamos 

Por Ana Gomes


Uma nota prévia sobre o BES: sou contra a nacionalização e não partilho dos elogios ao Banco de Portugal e ao Governo, porque não fizeram o que era devido quando era devido. 

Mas acho que o BES vale bem uma missa no Conselho de Estado, que reúne esta semana e deverá debater o estado da Nação, tal como a Assembleia da República.  Paralelamente em Estrasburgo, no Parlamento Europeu, debate-se o o estado da Europa com Durão Barroso e debate-se com a próxima presidência italiana o que se propõe ela fazer para ressuscitar a UE do estado comatoso em que a pôs a política austericida.

Já não víamos o Presidente da República dar e pedir prova de vida aos Conselheiros de Estado há mais de um ano: em Maio de 2013 convocou-os de emergência, por causa da crise resultante de discordâncias do MNE Paulo Portas sobre a taxação das reformas. Dias depois Vitor Gaspar bateu com a porta esbofeteando o Governo com uma carta de desforro, o PM nomeou uma ministra em substituição  e - fará amanhã precisamente um ano - o MNE ripostou com a inolvidável demissão "irrevogável", que ficará nos anais mais por o ter projectado para a Vice-presidência do Governo e menos pelos 3 mil milhões de euros que o episódio custou aos contribuintes...

Agora parece que o PR, a pouco mais de um ano de acabar o seu mandato, quer ouvir os conselheiros de Estado opinar sobre o seguimento do Programa de Ajustamento Financeiro a que o resgate e a Troika obrigaram.

Há quem julgue que o PR convoca o Conselho de Estado porque se sente pressionado pela crise que vê no horizonte, apesar dos amanhãs cantantes que ainda há pouco ajudava a coligação no poder a apregoar: afinal a divida pública não fez senão aumentar, a economia voltou a saldo externo negativo, o investimento estrangeiro tarda, a asfixia de financiamento das PMEs  e o desinvestimento de grandes empresários nacionais prosseguem, os portugueses vivem "em estado de servidão fiscal que não merecem" como admite o Ministro da Economia, enquanto a Ministra das Finanças decreta olimpicamente que "não existe folga enquanto houver défice".  

Ao Presidente da República e ao país, politicamente, cheira-lhes a índios: a escalada na afronta do Governo ao Tribunal Constitucional e as divergências quanto a novo aumento de impostos entre os partidos da coligação podem dar pretexto para nova crise politica que leve a antecipar eleições. Agora que o PS está, desgraçadamente, embrenhado em luta interna. E agora que PP e PSD avaliam se devem renovar votos de casamento para as próximas legislativas ou romper. O Presidente, como qualquer português, sabe que tudo poderá ser determinado pela estratégia pessoal de um Vice-PM que insista em ser indigitado para comissário europeu ou de outros vices que entendam ser altura de mudar de chefe no PSD... 

Há quem diga que o Presidente convoca o Conselho de Estado por perseguir ainda o desígnio de levar os chamados partidos "do arco da governação" a estabelecer um acordo de regime. Não acredito: é impensável, sem antes se realizarem eleições.

Enfim, veremos se no Conselho de Estado se discute e recomenda a absoluta urgência de se fazer uma reforma fiscal de fundo e transversal (e não apenas sectorial,  como foi a que vergonhosamente incidiu apenas sobre o IRC beneficiando as maiores empresas), para distribuir com transparência, equidade, progressividade e previsibilidade a tributação e de forma a por cobro ao actual sistema que  incentiva a evasão e fraude fiscais e que compensa e protege os maiores criminosos fiscais, como os banqueiros do BES beneficiados por obscenas amnistias fiscais.

Veremos também se no Conselho de Estado se vai discutir e delinear uma estratégia para o país sair do estado desesperado em que Troika e coligação o deixaram. Veremos se o Conselho de Estado assenta numa orientação para renegociarmos no quadro europeu as dívidas soberanas impagáveis - a nossa e a de outros países - e para lograrmos uma substancial redução dos juros que o país paga, incompreensíveis e iníquos face aos pagos pelos nossos parceiros Espanha e Irlanda, que também tiveram de recorrer a resgates. Agora que até já o FMI -  insuspeito de esquerdalho - vem admitir que teria sido melhor para Portugal ter avançado com a reestruturação da dívida soberana, continuar entrincheirados, como continuam Governo e Presidente da República, no reduto teutónico avesso à renegociação, não é bandeira patriótica ou ideológica: é, simplesmente, estupidez criminosa.


(Notas da minha crónica de hoje no "Conselho Superior", ANTENA 1)



This page is powered by Blogger. Isn't yours?