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13 de novembro de 2010

A ameaça da crise 

Por Vital Moreira

Logo após o recente acordo com o PS para viabilizar o orçamento para 2011, o PSD anunciava a sua intenção de desencadear uma crise política algures no próximo ano, depois das eleições presidenciais. A ameaça voltou a ser feita na discussão parlamentar do orçamento, tendo depois disso sido reiterada por vários dirigentes laranjas, segundo fizeram eco os semanários do fim de semana passado.

Para quem seguiu o itinerário do PSD desde o verão, esta obsessão pela abertura de uma crise política não surpreende. Ela estava inscrita no discurso de Passos Coelho em Agosto passado, quando colocou condições manifestamente impossíveis para poder viabilizar o orçamento. Face às advertências internacionais e à pressão dos meios empresariais e políticos (incluindo o Presidente da República), o PSD teve de recuar e "vender" a abstenção por muito menos do que tinha exigido. Mesmo assim, conseguiu impor suficientes condições, sobretudo no corte da receita, para tornar muito mais difícil o cumprimento das metas do défice.

Como se isso não bastasse, o PSD lançou gasolina no fogo, reavivando a perspetiva de crise política. Fingindo viabilizar o orçamento, fez logo questão de se dissociar de qualquer compromisso político com ele e de pôr em causa as condições políticas da sua execução, colocando Portugal à mercê de dura penalização pelos mercados da dívida pública. Se os mercados do crédito já não podiam ter ficado satisfeitos com as dúvidas sobre a exequibilidade do orçamento, menos ainda podem ter ficado com o anúncio de uma crise política a curto prazo, o que só pode acrescentar incerteza ao receio.

Claramente o PSD convenceu-se que depois do fraco apoio recebido pelo seu novo credo neoliberal (como mostraram as reações ao seu projeto de revisão constitucional), o melhor meio de conseguir os seus objetivos seria por via de uma crise orçamental, que obrigasse à vinda do FMI e à imposição por via externa de um programa assassino de redução da despesa pública e de corte nos serviços públicos, incluindo na saúde, na educação e na proteção social, ou seja os três pilares do Estado social. Com a vantagem de que, em tais circunstâncias, tal poderia ser apresentado ao país, não como programa próprio, mas sim como imposição externa. A receita liberal apareceria como cura regeneradora para o desastre do "Estado providência", por culpa dos seus próprios defensores.

Não se pode negar imaginação e engenho a este plano. O facto de ele sacrificar os interesses do país aos do PSD pouco importa. E não basta denunciar a lógica perversa dessa estratégia, como tem feito o PS, para impedir a sua concretização. É preciso contrariá-la eficazmente. Sócrates encontra-se numa curva apertada do seu percurso governativo. A situação não se compadece com contemporizações nem com tergiversações. Na iminência de uma tempestade anunciada importa tomar as medidas para fugir dela ou para a enfrentar com êxito.

A primeira medida consiste em renovar a equipa governamental, que carece de sangue novo e de um novo élan para este novo ciclo político. Uma das razões da atual fragilização política do governo - e também das maiores dificuldades com os mercados da dívida pública - foi a derrapagem da execução orçamental no corrente ano. Nada aconselha partir para uma nova fase, muito mais exigente, de rigor e de austeridade orçamental com a mesma equipa que "não ficou bem no retrato" da execução orçamental do corrente ano, ficando aquém das metas, quando importava tê-las superado. Importa dar um sinal político forte de que não há riscos de reincidência e que os elos fracos são substituídos.

A remodelação governamental não deve esperar para depois das eleições presidenciais, como indicava a lógica política até agora. Deve ser antecipada, tal como fez Rodríguez Zapatero em Espanha. O cumprimento do orçamento de 2011 começa agora mesmo, logo depois da sua aprovação. Há que organizar com antecedência os planos de pormenor. Os novos ministros não devem entrar na carruagem já com ela em movimento e com a rota traçada pelos antecessores.

Em segundo lugar, não se pode falhar na execução do orçamento e das metas do défice orçamental, preparando-a com a folga suficiente para evitar surpresas. Dadas as imposições do PSD, trata-se de uma tarefa ainda mais árdua do que já de si seria. Mas o Governo não pode deixar alimentar a mínima dúvida sobre a sua determinação em consegui-la. A alternativa é entre o cumprimento do orçamento e o desastre financeiro, com o disparo dos juros da dívida pública para níveis gregos, a "secagem" do acesso ao crédito por parte dos bancos e das empresas e a inevitável chamada do FMI. Não basta fixar metas, importa montar os instrumentos para a sua concretização. Não faz sentido, por exemplo, reduzir as transferências orçamentais para as empresas públicas e limitar o crescimento do seu endividamento, se depois não se proporcionar um aumento das suas receitas próprias ou a redução das suas despesas.

Por último, mas não menos importante, urge avançar com uma perspetiva positiva para o período pós-crise, capaz de reconciliar a necessária disciplina das contas públicas com o crescimento económico, a criação de emprego e a reafirmação do Estado social. Sem esperança de que os sacrifícios são temporários e valem a pena, a austeridade é uma provação socialmente insuportável e politicamente insustentável.

É evidente que o interesse político do PS coincide com o melhor interesse do país. Só o sucesso na consolidação orçamental pode assegurar a superação da crise da dívida e também a sobrevivência do Governo, retirando pretexto para qualquer tentação presidencial de antecipação de eleições e tirando o tapete à estratégia laranja de jogar no quanto-pior-melhor para derrubar Sócrates. Como mostram os casos grego e espanhol, só a clareza de objetivos e a determinação política compensam.

(Público, 9 de Novembro de 2010)

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