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10 de janeiro de 2009

A revolução exangue 

Por Vital Moreira

Infelizmente, não há muito para celebrar no 50.º aniversário da revolução cubana, que agora passou. Pelo contrário.

É certo que a revolução cubana, ocorrida em plena era da "guerra fria" e de activa aliança dos Estados Unidos com as opressivas oligarquias e ditaduras latino-americanas, entusiasmou durante décadas as esperanças revolucionárias da esquerda na transformação social e na luta de emancipação nacional contra o imperialismo e o neocolonialismo, fazendo parte incontornável do imaginário da esquerda ocidental do século passado. No entanto, cinquenta anos depois, na sua deprimente situação actual, Cuba constitui hoje o testemunho vivo de uma revolução exangue e do fracasso global dos regimes comunistas.

Depois de assumido o projecto socialista, pouco depois da vitória da luta armada contra a ditadura corrupta de Fulgêncio Batista e contra o controlo norte-americano do país, Cuba transformou-se rapidamente no laboratório de uma nova experiência comunista fora do mundo soviético e num factor de esperança num "socialismo latino-americano", mais genuíno, mais criativo, menos burocrático e menos sacrificador da liberdade individual do que os regimes comunistas então existentes.

Embora à data da revolução Cuba estivesse longe de ser um país pobre no contexto latino-americano, as fulgurantes realizações no campo da educação, da saúde, da cultura, etc. fizeram da revolução cubana um caso de sucesso internacional em matéria de desenvolvimento humano e de progresso social. Acresce que a proximidade dos Estados Unidos e a militante política de confrontação e de cerco norte-americano ao regime cubano, incluindo o apoio à aventura da Baía dos Porcos e o embargo económico até agora mantido, deram a Cuba uma aura de "resistência ao imperialismo" que se transformou num poderoso factor de simpatia internacional, designadamente na esquerda europeia. Finalmente, o apoio de Cuba às lutas de libertação nacional, que culminaram na sua ajuda militar em "guerras internacionalistas" (como foi o caso de Angola), bem como a participação em projectos de desenvolvimento social, através do envio de médicos e de outros técnicos, firmaram os seus créditos de internacionalismo solidário, sem as exigências que tanto a União Soviética como a China impunham em termos de alinhamento político e ideológico.

A verdade, porém, é que, apesar das esperanças iniciais de um socialismo original, o "socialismo cubano" acabou por seguir o molde do marxismo-leninismo soviético (acompanhando a progressiva dependência da ajuda económica e militar da URSS), sendo vítima de todos os seus defeitos. No final, o sistema de colectivização geral e de planificação estatal da economia revelou-se o mesmo fracasso que em todo o lado, para não falar da restrição da autonomia e da liberdade individual e da castração das liberdades civis e políticas, em geral.

Economicamente, Cuba é hoje um dos países mais pobres da América Latina, sobrevivendo das remessas dos expatriados e do turismo, onde imperam o racionamento dos bens essenciais, o mercado negro e a economia paralela (com dupla moeda), com campos abandonados e cidades degradadas, de que a própria Havana, outrora uma das cidades mais prósperas da América Latina, é exemplo gritante. Politicamente, Cuba continua sob o estrito monopólio político do partido comunista, sem liberdade de expressão e de organização política, com eleições puramente aclamatórias e com periódicas operações de repressão dos opositores políticos.

Nos principais índices de bem-estar material de uma sociedade moderna, Cuba ocupa sistematicamente os lugares inferiores em termos comparados. Os níveis de rendimento são em geral muito baixos. Quem não disponha de dólares ou outras divisas não tem acesso a bens que só as lojas estatais reservadas proporcionam (a preços elevados). Mercê do fracasso da agricultura colectiva e da ausência de mecanismos de mercado, bem como da insuficiência de divisas para importações, existe uma crónica escassez de abastecimento, mesmo de bens alimentares. Os próprios serviços de saúde e de educação, outrora orgulho do regime, passam agora por carências, por causa da insuficiência de financiamento, que as dificuldades económicas geraram.

Quase vinte anos depois da queda do comunismo soviético na Europa e da deriva capitalista da China, Cuba só agora, depois da saída de Fidel Castro, parece encarar o dilema entre a manutenção do statu quo, insustentável a prazo, ou a adopção de reformas económicas e sociais, que podem permitir sair das dificuldades, mas que correm o risco de desencadear uma liberalização económica e política sem retorno, que ponha em causa os próprios alicerces do regime. As pequenas mudanças anunciadas por Raul Castro podem indicar a escolha da segunda via, mas a timidez das mesmas e a demora na sua implementação podem significar que enquanto Fidel Castro for vivo nada de substancial se alterará. Entretanto, apesar do balão de oxigénio da ajuda da Venezuela de Chávez, a situação pode degradar-se para além do suportável.

Entre os mitos revolucionários que mantêm coeso o regime cubano, o principal é ainda e sempre o anti-imperialismo e o ódio aos Estados Unidos, que o irracional boicote económico de Washington continua a acirrar. É desejável que o novo presidente dos Estados Unidos corrija sem demora a política cubana da Casa Branca, trocando a estratégia do isolamento de Havana por uma política de respeito (incluindo a questão de Guantánamo) e de apoio à abertura do regime cubano. Como mostrou o processo de democratização de outros países comunistas, especialmente na União Soviética, os regimes comunistas, quando esgotados, dificilmente resistem a um processo de liberalização económica e política.

O importante é começar a vencer bloqueios e resistências.

(Público, terça-feira, 6 de Janeiro de 2009)

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