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20 de agosto de 2007

Liberdade de profissão 

Por Vital Moreira

No âmbito do acordo alcançado em sede de "concertação social" na área da formação e qualificação profissional, acabam de ser aprovados, embora com algum atraso, os projectos de diplomas de execução daquele acordo, ainda para sujeição a discussão pública.
A formação e a qualificação profissional constituem hoje uma das áreas privilegiadas de ajuda do Estado à economia, contribuindo para promover a produtividade – e logo a competitividade externa – bem como a empregabilidade e a qualidade do emprego, com reflexos positivos no aumento do nível de vida dos trabalhadores e da coesão social em geral. Compreendem-se por isso os esforços de investimento público nesta área, aliás fortemente alavancados por financiamentos da UE no âmbito do novo QREN (2007-2013). Na agenda política do actual Governo essas matérias ocupam justamente uma elevada prioridade, da qual faz parte, entre outras iniciativas, o programa "Novas Oportunidades", que visa proporcionar formação profissional e escolar ("dupla certificação") aos trabalhadores que não completaram a sua formação escolar básica ou secundária.
Entre as medidas que constam do novo quadro institucional da formação e qualificação profissional conta-se o "Programa de Regulação do Acesso às Profissões", que tem por objecto definir e implementar os requisitos para o acesso e exercício das profissões que requerem qualificações específicas. A ideia suscitou imediata suspeição dos círculos liberais mais radicais (com inesperados ecos em alguma imprensa de referência), que viram nela mais um perigoso mecanismo de controlo governamental sobre a liberdade individual.
Pelo contrário, a iniciativa pode constituir uma excelente oportunidade para proceder à revisão e racionalização do quadro de requisitos profissionais, superando o casuísmo e os interesses corporativos com que certas profissões têm sido objecto de regulação restritiva quanto ao seu acesso. Na verdade, enquanto as profissões "nobres", designadamente as profissões liberais, são reguladas por lei da Assembleia da República, ou decreto-lei autorizado, as profissões assalariadas têm sido furtivamente reguladas por diplomas regulamentares, muitas vezes sem base legal, estabelecendo requisitos perfeitamente irrazoáveis de acesso a muitas profissões. Por isso, justifica-se plenamente uma reavaliação de todo o quadro regulatório existente, de modo a estabelecer um regime coerente e compreensivo de todas as profissões.
Ao contrário do que foi afirmado por alguns comentadores que se não deram ao trabalho de se informar sobre o que está em causa, todas as restrições à liberdade de profissão só podem estabelecidas ou autorizadas por lei da AR e somente quando tal seja necessário e justificado. No quadro previsto pelo anunciado programa governamental, todas as restrições serão informadas por uma comissão tripartida (Governo, sindicatos, associações patronais), dando garantias de consideração dos diversos pontos de vista interessados. Por isso, a possibilidade de qualquer abuso na definição das qualificações necessárias para o acesso profissional é assaz despicienda, mesmo que não houvesse, como sempre há, a possibilidade de controlo do Tribunal Constitucional.
No entanto, há que reconhecer que todas as cautelas são poucas nesta matéria. Existe em Portugal uma tradição corporativa de malthusianismo profissional, que tem produzido restrições excessivas da liberdade profissional. Provavelmente, em nenhum outro país existem tantas profissões que exigem um grau académico de nível superior, como entre nós. Num país onde as taxas de ensino secundário completo são das mais baixas da Europa, a exigência de níveis académicos elevados para o exercício de profissões constitui um factor de exclusão de muita gente.
O que é curioso nesta discussão é verificar a preocupação com a eventual restrição de profissões "secundárias" por parte de comentadores que têm silenciado, se não aplaudido, as restrições a profissões liberais que, em muitos casos, não podem deixar de ser consideradas intoleráveis, como sucede, por exemplo, com a "certificação" de cursos académicos por várias ordens profissionais e com o artificial "numerus clausus" nos cursos de Medicina, como meio de restrição do acesso à profissão médica.
É tempo de levar a sério a liberdade de profissão. Para todos e para todas as profissões.

(Diário Económico, quinta-feira, 16 de Agosto de 2007)

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