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19 de março de 2007

Energia: sol na eira ou vento no nabal? 

por Ana Gomes

O último Conselho Europeu tomou decisões históricas na área energética e ambiental, incluindo objectivos ambiciosos para emissões poluentes, energias renováveis e biocombustíveis. Angela Merkel voltou a fazer diferença: vencendo parceiros que consomem energia "suja" como se não houvesse amanhã, introduziu a palavrinha "binding", tornando o compromisso vinculativo. A influência da UE nos debates sobre política energética/ambiental pós-Quioto (2012) depende da capacidade de cumprir. Só assim, poderá liderar globalmente.
Cada país terá uma quota-parte no esforço colectivo. Portugal tem de assumir que vai falhar os objectivos de Quioto para 2010: prevê-se um aumento das emissões de 45% em relação aos níveis de 1990, muito acima dos 27% que nos cabem. Resta compensar com poupança e eficiência energética (para quando construção com menor desperdício de energia?) e investir estrategicamente nas novas energias, incluindo nos transportes (em combustíveis alternativos porque não aprender com o Brasil?). Assim, atenua-se a pesada factura da importação petrolífera e limitam-se as emissões poluentes. Mais: como já ninguém duvida da necessidade das novas energias, a procura global vai crescer. Apostar no desenvolvimento científico e industrial nesta área não é só imperativo ambiental: deve ser prioridade económica. O Presidente da Comissão Europeia antevê uma "nova revolução industrial".
Este Governo tem tomado decisões acertadas: o objectivo de 45% de toda a electricidade consumida em 2010 resultar de energia renovável; a meta de 10% dos transportes a biocombustível (antecipando em 10 anos o objectivo da UE); e a afirmação do 'zero nuclear' em Portugal (mas urge garantir, no quadro europeu ou bilateral, mecanismos efectivos de cooperação na segurança nuclear, já que, querendo ou não, vivemos à beira das centrais espanholas e importamos o que produzem).
Mas o motor principal da estratégia do Governo reside na eólica, além das hídricas (que não são novas). A EDP anunciou planos para investir €2910 mil milhões em energias renováveis - dos quais mais de 90% na eólica. Mais que argumentos económicos, pesa a influência dos representantes de empresas estrangeiras do sector, incluindo a nível autárquico. Mas a incorporação nacional é limitada, com tecnologias e equipamentos sobretudo importados (seria interessante conhecer a percentagem nos projectos que o PR esta semana visitou).
Ora especialistas europeus têm demonstrado que, tal como a eólica deu um salto graças a investimentos feitos há anos (por isso Dinamarca e Alemanha ganham hoje duplamente a exportar equipamentos), também a energia solar e das ondas podem tornar-se rapidamente rentáveis, se forem alvo de investimento público significativo, assim se estimulando o privado para corresponder à procura. Um investimento financeiro modesto, em termos relativos, segundo os peritos. Em áreas energéticas para que Portugal está naturalmente fadado e de que pode retirar muito mais vantagens.
Não se justificaria então apostar mais nestas energias, onde a indústria nacional pode criar e inovar tecnologicamente e, portanto, obter avanços competitivos mais sustentáveis? Trata-se de investir estrategicamente no potencial cientifico e industrial para desenvolver tecnologias e equipamentos com mais incorporação nacional. E com mais potencialidades de exportação. Diminui-se assim a factura energética, estimula-se a pesquisa nacional e cria-se emprego qualificado. E, no caso da energia solar, revitalizando-se zonas do interior do país hoje quase despovoadas. Para isso podem mobilizar-se fundos europeus, incluindo os estruturais (Coesão e FEDER), incorporando neles critérios de eficiência energética.
Em Moura temos em construção a maior central solar do mundo. Mas num relatório de 2006, a Agência Europeia do Ambiente sublinha que o objectivo inicial de ter 1 milhão de m2 de painéis solares instalados (a um ritmo de 150.000 m2/ano) em 2010 foi reduzido a "manter, em 2005 e 2006, o ritmo de crescimento dos anos passados". E recentemente a imprensa revelou que os painéis solares para aquela central, que estava previsto fossem cá fabricados, vão afinal ser importados, ironicamente, da ...China (país ávido por novas tecnologias nas energias limpas).
Cabe ao Governo dissipar mitos tecnológicos que inibem investidores, reorientando o investimento público e a procura de forma mais equilibrada. E estabelecendo objectivos ambiciosos para a energia solar e das ondas. Se não, ficamos condenados, mais uma vez a ir atrás, quando poderíamos estar na frente da tal “nova revolução industrial”. Que implica aqui uma escolha muito básica: mais sol na eira e no mar. E menos vento no nabal!

(publicado no COURRIER INTERNACIONAL, 16.3.2007)

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