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12 de março de 2006

O país do faz-de-conta 

por Ana Gomes

A proliferação de armas de destruição maciça é hoje uma das principais preocupações da Humanidade e é dever dos Estados tudo fazer para que no seu território agentes terroristas não tenham a oportunidade de adquirir materiais e tecnologias perigosas. Para isso têm de aplicar a primeira linha de defesa contra a proliferação de ADM: os Tratados e Convenções internacionais.

Numa chocante demonstração de negligência e irresponsabilidade, sucessivos governos vêm deixando Portugal sem a legislação necessária para a aplicação da Convenção para a Proibição das Armas Químicas. A Convenção exige-a aos Estados-Parte para obrigar as empresas importadoras e utilizadoras de materiais perigosos a declará-los aos governos. Por sua vez, os governos devem compilar esta informação e enviá-la à autoridade internacional que monitoriza a aplicação da Convenção. Trata-se de garantir que todos fazem o «trabalho de casa» contra a proliferação de materiais susceptíveis de serem utilizados na produção de armas químicas.

Portugal ratificou a Convenção em 1996 e desde então produziu ZERO relatórios nacionais. Por outras palavras: não fazemos a menor ideia do que cá se importa, exporta, compra, vende e produz na área dos produtos químicos. Muito do material que aparenta ser inofensivo é de duplo-uso e só com legislação que imponha transparência e controle se poderá garantir que nada é desviado, manipulado, transferido ou simplesmente adquirido por agentes terroristas. O projecto de lei necessário está adormecido algures entre o M. Defesa, o MNE e a PCM, após anos de pareceres. Falta o último e mais simples passo: o agendamento em Conselho de Ministros. E por isso a Autoridade Nacional da Convenção (ANPAQ) não tem sequer orçamento de funcionamento (estimado em Euros 113.000/ano).

A propósito da falta de seriedade que - mais do que a falta de recursos - marca muitas vezes a política portuguesa, como este triste caso ilustra, dizia-m há tempos um colega diplomata que Portugal "é o país do faz-de-conta: eu faço de conta que recebo instruções de Lisboa para as reuniões onde represento o país; Portugal faz de conta que cumpre Tratados internacionais, directivas europeias, decisões ministeriais....?. E assim nos vamos amanhando: fazemos de conta que controlamos águas territoriais e aérodromos onde embarcações e avionetas privadas descarregam à vontade droga e toda a espécie de contrabando; a AR faz de conta que investiga o «Eurominas»; a PGR faz de conta que investiga os crimes contra crianças da Casa Pia; o fisco faz de conta que cobra aos que mais deveriam pagar. E um dia destes vamos «descobrir» que autoridades civis e militares faziam de conta que não sabiam o que transportavam aviões americanos a passar para Guantanamo... Entretanto, o Primeiro-Ministro afadiga-se na Finlândia à procura do segredo do sucesso económico. Que passa por parar de fazer de conta e exigir seriedade e responsabilidade: cumprir compromissos, obrigações e a lei - incluindo a internacional, plasmada nos Tratados a que estamos vinculados.

Anunciam-nos que o combate ao terrorismo passará a ser uma prioridade para a PJ (razões não faltam). Esperemos que não seja ainda a «fazer de conta», porque o combate ao terrorismo e proliferação de ADM implica também a aplicação da Convenção das Armas Químicas. Nesta matéria, a protecção é tão eficaz quanto for resistente o elo mais fraco da cadeia. Enfim, esperemos que a al-Qaeda não se lembre de vir por cá às compras...

(publicado no COURRIER INTERNACIONAL, em 10/3/06)

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