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24 de dezembro de 2004

Carta ao Menino Jesus 

Menino Jesus,

É a primeira vez que te escrevo, por isso espero que me desculpes o mau jeito. Há muito tempo que tinha ouvido falar de ti, mas só este ano me resolvi a mudar de fornecedor de sonhos. Sabes, eu era cliente do Pai Natal, mas ultimamente não andava muito satisfeito com a qualidade de serviço. Cá para mim, o Pai Natal fez mal em ter investido no merchandising global, perdeu o controlo do core business, como dizem os economistas crescidos. Adiante. Agora quero experimentar os teus serviços. Bem sei que já perdeste o estatuto de major player e que optaste por uma estratégia focalizada, mas talvez por isso o teu CRM seja melhor que os da concorrência, como dizem os economistas crescidos. Em todo o caso, para uma primeira experiência, não vou ser muito guloso nos pedidos. Todos eles são de fácil concretização, como verás. Não me desiludas.

O meu primeiro pedido nem é para mim, é para os economistas crescidos, a quem o meu processo de aprendizagem muito deve. Gostava que lhes pusesses no sapatinho um governo de marca Compromisso Portugal. Dizem-me que os homens do Beato têm soluções simples para tudo, têm provas dadas na gestão empresarial, não precisam de dinheiro e estão animados por uma genuína vontade patriótica. Venham eles, que de pobres e incapazes já estamos fartos! E não fiques preocupado com o facto de o Natal ser já amanhã porque o Compromisso pensou em tudo - o programa e o elenco governativo são uma questão de horas.

O segundo pedido é para todo o povo português. Peço-te que faças o Benfica campeão. Já não será para o Natal, uma vez que os do gorro azul-e-branco se anteciparam, mas no final da época a águia tem de sair vencedora. Ficas com tempo para pensar na implementação e nas formas de contrariar a malvada da concorrência. E acima de tudo não te esqueças que, ao conquistares o coração do povo, conquistas o mercado lusitano. Não desbarates esta oportunidade com problemas de consciência ou pruridos éticos, nenhum apito dourado desconfiará de ti. Faz o povo feliz e serás recompensado.

O terceiro pedido também não é para mim (já viste como penso nos outros?), é para a minha terra natal, o Porto. Está à vista de todos que os dois principais dirigentes da Invicta, o presidente do FCP e o presidente da câmara, foram vítimas de uma troca acidental de papéis. O rigoroso Rui Rio estava fadado para líder dos dragões enquanto o imaginativo Pinto da Costa era o homem dos destinos autárquicos. Ora, é tempo de inverter a situação e repor a verdade a que os portuenses aspiram. Se isso é possível no cinema com um simples passe de magia, certamente que para ti será ainda mais fácil. Compreendo que possas ter algumas hesitações diante das previsíveis bolsas de resistência à ideia da permuta, mas não te apoquentes. Os detractores do costume acomodar-se-ão rapidamente à nova realidade desde que tenhas o cuidado de lhes garantir os direitos adquiridos. Piece of cake.

Por fim, um pedido pessoal. Gostava de ter um brinquedo bélico à séria. Já me fartei dos jogos na Playstation, da batalha naval, do paintball, dos filmes de Stallone e dos manuais de Sun Tzu. Se uns, os militares de hoje, vão poder divertir-se nas suas guerras imaginárias com submarinos, fragatas e carros de combate verdadeiros, porque não proporcionar o mesmo prazer aos portugueses comuns? Sei que te seria difícil satisfazer dez milhões de desejos idênticos e, por isso, não peço um submarino só para mim. Mas já um carrito de combate, daqueles mais em conta, me parece um presente razoável. Prometo partilhar o prazer dos cabelos ao vento e das poses heróicas com a rapaziada do meu bairro. Comprometo-me a dar boleia a ex-ministros da Defesa, a ex-combatentes e aos participantes da Quinta das Celebridades. Mais ainda: estou disponível para negociar contrapartidas industriais com o Estado português. Por exemplo, uma volta pela serra da Carregueira, de três em três meses, para cada trabalhador da ex-Sorefame. Que tal?

Saudações natalícias.

Luís Nazaré, in Jornal de Negócios, 23 de Dezembro de 2004

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